INFORMATIVO SEMANAL UTUMI ADVOGADOS | ED. 3 JUNHO 2023
O informativo semanal de Utumi Advogados tem como propósito de trazer atualidades legislativas, decisões e discussões tributárias relevantes. Ficamos à disposição para eventuais esclarecimentos sobre os temas abaixo.
Período: 14 a 20 de junho de 2023
Lei nº 14.596/2023 (conversão da MP 1.152/2022)
Novas regras de preços de transferência
Em 15/06/2023, foi publicada a Lei nº 14.596/23, resultado da conversão da Medida Provisória (MP) nº 1.152, que estabelece as novas regras de preços de transferência brasileiras, alinhadas ao padrão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aplicado mundialmente.
Apesar de implicar um processo de adaptação e revisão das práticas de preços de transferência adotadas pelas empresas brasileiras, a nova legislação, alinhada ao princípio Arm’s Length, deve melhor refletir a alocação de lucros nas transações internacionais, mitigando a dupla tributação (ou dupla não tributação) da renda, em decorrência da adoção de critérios homogêneos em relação às práticas internacionais.
A Receita Federal do Brasil (RFB) ainda deverá regulamentar a nova legislação ao longo do ano, cabendo-lhe ainda a definição de dispensas e simplificações aplicáveis a casos específicos.
Principais alterações no processo de conversão da MP em Lei
- Eliminação da vedação de dedutibilidade de royalties pagos a residentes ou domiciliados em jurisdições com tributação favorecida, ou beneficiários de regime fiscal privilegiado, que contarão com o mesmo tratamento aplicável aos demais pagamentos de royalties;
- Eliminação de ajustes secundários, que impunham tratamento de operação de crédito, remuneradas a uma taxa fixa de 12%, relativamente aos valores em excesso ao Arm’s Length; e
- Quanto ao método de comparação aplicável a transações com commodities, passou-se a admitir a utilização de comparáveis internos.
Outros pontos de destaque da nova legislação
- Conceito de partes relacionadas
Similarmente às previsões da legislação vigente, as regras devem ser observadas em transações comerciais e financeiras entre partes relacionadas no Brasil e no exterior, incluindo, dentre outras, as transações entre controlador e controladas e entre coligadas, bem como entre residentes no Brasil e em países com tributação favorecida, ou com beneficiários de regime fiscal privilegiado.
Contudo, a Lei nº 15.496/2023 estabelece que os controles de preços de transferência serão aplicáveis às operações com partes cuja relação de influência, direta ou indireta, possa impactar os preços praticados, além de trazer nova definição de controle para fins da sua aplicação.
- Métodos de comparação
A definição de preços é pautada no Princípio Arm’s Length, que estabelece que a transação controlada deve refletir os termos e as condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis, segundo algum dos métodos previstos na legislação.
Diferentemente do que ocorria até então no Brasil, em que existe a liberdade de escolha
entre os métodos existentes, o contribuinte deverá aplicar o método que se revelar mais apto aos fatos e circunstâncias, disponibilidade de informações e grau de comparabilidade das transações específicas.
O método de preferência é o do Preço Independente Comparado (PIC), porém são previstos 4 outros métodos, sendo eles: (i) Método de Revenda menos Lucro (“PRL”) que, diferente do PRL adotado no Brasil até então, não contará com margens fixas; (ii) Método de Custo mais Lucro (MCL); (iii) Método da Margem Líquida da Transação (MLT); e (iv) Método da Divisão do Lucro (MDL). Outros métodos podem ser aplicados, desde que produzam resultados consistentes com o que seria alcançado em transações comparáveis entre partes não relacionadas
- Intangíveis, compartilhamento de custos e reestruturação
Em relação aos intangíveis, as transações deverão ser precificadas com base na valoração das funções exercidas e os riscos assumidos pelas partes em relação a esses ativos, vedando-se a dedução de royalties e assistência técnica a partes relacionadas caso resultem em dupla não tributação.
Desta forma, a Lei nº 14.596/23 altera os atuais critérios de dedutibilidade de royalties e assistência técnica hoje existentes no Brasil, que são pautados em valores fixos, com vedação de dedutibilidade em decorrência da relação societária existente entre as partes envolvidas na transação.
Trata-se de um ponto bastante relevante do ponto de vista das relações com os Estados Unidos, por exemplo, levando em conta restrições ao reconhecimento do crédito de imposto de renda retido na fonte (IRRF) pago no Brasil, em decorrência dos parâmetros adotados pela legislação brasileira.
Contratos de compartilhamento de custos e reestruturações de negócios que resultem em transferência de lucros também estão expressamente no escopo de aplicação das novas regras.
- Consultas à RFB
Vale ainda destacar que será possível consultar previamente a Receita Federal do Brasil (RFB) em relação à aplicação das novas regras em casos específicos, mediante o pagamento de taxas.
As regras previstas na MP 1.152/2022 entram em vigor em 1º de janeiro de 2024. Porém, os contribuintes podem optar voluntariamente pela sua aplicação ainda em 2023, comunicando tal opção à RFB, entre o período de 1º a 30 de setembro, sendo os efeitos da adoção antecipada aplicáveis para todo o ano de 2023.
Receita Federal
Tributação incidente sobre licença de uso de software do exterior
Em 13/06/2023, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Solução de Consulta Cosit nº 107/2023, a respeito da tributação incidente na remessa de valores ao exterior para pagamento de contratos de licenciamento de uso de software e de serviço técnico de manutenção.
Seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 5.659, a RFB classificou esse licenciamento (seja a aquisição por meio físico ou eletrônico) como prestação de serviço, para fins de incidência de PIS-Importação e COFINS-Importação sobre os valores pagos/remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior a título de contraprestação pelos serviços prestados (que englobam tanto a licença para o uso do software como a manutenção e o suporte relacionados).
No que diz respeito ao Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), a RFB destacou haver incidência sobre os valores pagos/remetidos ao exterior para aquisição ou renovação de licença de uso de software, independentemente de customização ou do meio empregado na entrega. Entretanto, ao invés de classificar a operação como prestação de serviço (de forma a manter a lógica aplicada ao PIS-Importação e à COFINS-Importação), a RFB entendeu por caracterizar como “royalties”, a defender a incidência do imposto sob a alíquota de 15% ou 25% (quando o beneficiário da remessa for residente ou domiciliado em país com tributação favorecida). Sobre os serviços técnicos de manutenção conexos ao uso do software, o entendimento é de que IRRF incidirá de igual modo (sobre os valores remetidos ao exterior), sob as mesmas alíquotas.
Ainda segundo a RFB, não haverá incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre a remessa de valores pagos a residente ou domiciliado no exterior pela licença de uso de software, mesmo que haja aquisição de versão de atualização do software, nova licença ou prorrogação do prazo da licença original. Para a RFB, a CIDE somente será devida (à alíquota de 10%) quando houver a transferência da correspondente tecnologia e/ou serviço técnico de manutenção pela atualização da versão do próprio software, desde que não resulte em aquisição de novo licenciamento.
CARF afasta concomitância de multas
Decisão foi pelo voto de qualidade pró-contribuinte
A 1ª Tuma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) afastou a aplicação em concomitância das multas isoladas e de ofício. A decisão foi pelo voto de qualidade pró-contribuinte, representando mudança na jurisprudência do Órgão em relação ao tema, tendo em vista que durante a vigência da Medida Provisória (MP) nº 1.160/2023, o fisco era vencedor no tema pelo voto de qualidade pró-fisco.
Lívia de Carlo Germano, Conselheira responsável pela divergência aberta em favor do contribuinte, entendeu pelo afastamento das multas isoladas, destacando que a penalidade mais gravosa é a multa de ofício, e que ela já compreende a multa isolada.
A MP 1.160/2023, que estabeleceu a volta do voto de qualidade no CARF, perdeu a validade no início deste mês, assim, até que o Projeto de Lei 2.384/23 (em tramitação no Congresso Nacional) seja de fato sancionado e entre em vigência, deverá o CARF seguir o desempate pró-contribuinte.
Supremo Tribunal Federal
Instituições financeiras devem pagar contribuições ao PIS e COFINS sobre suas receitas brutas operacionais
Em 13/06/2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, que as instituições financeiras devem pagar contribuições ao PIS e COFINS sobre suas receitas brutas operacionais auferidas anteriormente à edição da Lei 12.973/2014.
O processo foi relatado pelo Ministro Lewandowski, e o entendimento que prevaleceu foi o voto-vista divergente apresentado pelo Ministro Dias Toffoli, dando provimento parcial ao Recurso Extraordinário da União, para confirmar a legitimidade da incidência de PIS e COFINS sobre as receitas brutas operacionais decorrentes das atividades empresariais típicas do banco envolvido.
A posição do Ministro Toffoli foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Rosa Weber e André Mendonça, fixando-se a seguinte tese:
“As receitas brutas operacionais decorrentes da atividade empresarial típica das instituições financeiras integram a base de cálculo PIS/COFINS cobrado em face daquelas ante a Lei nº 9.718/98, mesmo em sua redação original, ressalvadas as exclusões e deduções legalmente prescritas.”
STJ: Tema 1.188
Acórdão repetitivo trata da inclusão dos benefícios fiscais de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL
No dia 12/06/2023, foram publicados os acórdãos dos processos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob rito de recursos repetitivos (Tema 1.182).
No referido julgamento, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o Tema Repetitivo 1.182, entendeu que, para que os benefícios fiscais de ICMS sejam excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, devem ser atendidos os requisitos do art. 10 da Lei Complementar nº 160/2017 e art. 30 da Lei nº 12.973/2014. Assim, os benefícios fiscais de ICMS (como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros) não podem ser automaticamente excluídos da base do IRPJ e da CSLL. Ainda, a Primeira Seção destacou que não se aplica ao caso “o mesmo entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR, que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL”.
Nos referidos acórdãos, igualmente se destacou que, para a exclusão dos benefícios de ICMS da base do IRPJ e da CSLL, “não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos”. Contudo, se definiu que, caso a Receita Federal do Brasil (RFB), em procedimento fiscalizatório, verifique que “os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”, os valores de IRPJ e CSLL podem ser lançados e cobrados pelo fisco. A referida decisão trouxe inúmeras controvérsias, a iniciar pelo fato de que o entendimento do STJ pode dar margem ao lançamento de crédito tributário de IRPJ e de CSLL por meio de interpretação restritiva da RFB. Em ambos os leading cases, foram opostos Embargos de Declaração (19/06) para sanar erros materiais, omissões e contradições nos acórdãos.
Importante destacar também que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou nota pública sobre suas primeiras impressões do julgamento. Em sua nota, a PGFN destaca que a referida decisão respeita o pacto federativo, ao destacar que a possibilidade de dedução dos valores de benefícios fiscais relativos ao ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL continua assegurada, desde que respeitados os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973/2014. Assim, destacou que tais valores relativos aos benefícios devem “ter registro na reserva da empresa e posteriormente ser reinvestido na expansão ou implantação de um empreendimento”. Por fim, a PGFN destacou que tal decisão “diz respeito a outros benefícios fiscais concernentes ao ICMS, sem envolver a questão relativa a créditos presumidos”.